O que significa a passagem de um mês para você? O que você pode sentir, fazer ou deixar de fazer em um mês? Em 30 dias de gestação de uma gravidez, por exemplo, pode-se mudar a vida de uma família inteira ou de uma mãe solitária. Em um mês você pode ganhar milhões e perder tudo em questão de minutos. Em um mês você pode passar os dias mais felizes da sua vida e também pode ver o seu sonho escorrer pelo ralo.
Nesse meu último mês, que completa hoje dia 12 de Maio, vivenciei o meu maior medo da minha vida inteira. Aquele medo que se um dia chegasse, eu cairia e nunca mais levantaria, ou pior, entregaria minha vida, que Deus me perdoe por ter pensado assim um dia.
Quando mais nova, sempre sentia um mini ataque de pânico ao pensar no dia que tivesse que enfrentar este medo, chegava a passar mal fisicamente quando algo próximo acontecia. Mas com o passar dos anos, a maturidade e o entendimento que a vida me deu, fui vendo que eu seria sim capaz de passar isso por mais que doesse.
Até que o dia chegou. O meu maior pesadelo estava ali diante de mim.
A partida do meu pai.
06 de Junho de 1992, foi quando Deus me disse ‘desce e arrasa’, e Ele não somente disse isso mas como também me avisou que eu teria nessa vida meu melhor amigo de alma como pai. E sou grata por isso, grata por ele ter me trazido para casa quando nasci e me criado como uma flor de seu jardim.
Foram tantas as experiências e aventuras vividas juntos que é muito gostoso lembrar de tudo, e que Deus me ajude para nunca esquecer de nada. Não esquecer daquelas noites que ele me contava historias inventadas antes de dormir, ou das noites que eu dormia com o barulho dele teclando no computador de mesa do quarto ao lado onde ele trabalhava até tarde. Obrigada pai por essas noites da infância.
Teve também aquelas vezes onde eu não queria, por nada, levantar e ir para a escolinha de manhã – desde sempre odiando acordar cedo – e ele ia lá e dizia: ‘se você não der risada agora você pode faltar e ficar dormindo’. E era como pedir para não respirar, bastava ele olhar para mim me testando que eu já caía na risada e acabava perdendo a aposta. Obrigada pai, por não me deixar ser preguiçosa e perder dias de ensino na escola.

E aquelas milhares de vezes em que, depois de me convencer a não faltar das aulas da pré escola, ele me levava para a escolinha, e eu como era muito tímida e caladinha na época, pedia para ele me levar até a porta e como se não bastasse, pedia também dali até a professora. Aí sim eu me sentia um pouco mais confiante. Mesmo com medo de não ser aceita, ele sempre me dizia que ia ser legal e eu iria me divertir.
Aliás, a confiança em mim mesma que eu não tinha, quem me ensinou a ter foi ele e mamãe que me ajudaram a achar o caminho para conquistá-la. Obrigada pai por isso também.
Que saudades de quando ele chegava em casa do trabalho e eu ia correndo pular e abraçar ele. E quase toda semana ele me trazia um agradinho da rua. Um docinho, um brinquedinho ou um lacinho de cabelo, qualquer coisa era uma alegria para mim. E quando ele me chamava pelos apelidos que ele mesmo criava? Frôre ou Gelhenger! Obrigada pai pela delicadeza e por sempre pensar em mim mesmo durante os seus dias cheios de trabalho!
Divertidas também foram as viagens de verão juntos, onde ele dizia que eu somente poderia tomar 25 sorvetes por dia, nada além disso ou seria exagero. Claro que eu não passava nem de dois ou três, mas a possibilidade de uma criança poder tomar tantos picolés em um único dia era maravilhosa.
Meu pai me mostrou tanta coisa, tantos lugares, me ensinou sobre diversos assuntos. A gente viajava nas conversas, nas piadas e brincadeiras. Não podíamos nos juntar para infernar a minha mommy que com certeza era bagunça na certa, tadinha he he he

Depois de mais velha, ele vinha até meu quarto antes de dormir para dizer boa noite onde eu já me encontrava deitada e dizia: ‘Vai lá no meu quarto falar boa noite…’ E eu gritava: ‘Pai você já tá aqui, fala boa noite aqui!’ E ele saía correndo e eu correndo atra dele até o quarto dele onde nos jogávamos na cama, e aí sim eu dizia boa noite. ‘Bença pai’ e ele fazia o sinal da cruz na minha testa e eu também fazia na dele. Obrigada pai pelas infinitas risadas e palhaçadas sem sentido.
Foi com ele que aprendi a gostar de bossa nova. Tom Jobin, Garota de Ipanema, Maysa Matarazzo, Águas de Março, Caetano Veloso, O Velho e a Flor. Foram algumas das muitas músicas e artistas que ouvimos juntos. E foi comigo que ele aprendeu a gostar de Justin Timberlake também, como ele chamava, ‘o Justino’. Do amor à Bossa Nova, veio a vontade de conhecer o Rio de Janeiro, e também pelas inúmeras novelas que assistimos juntos – porque ele era mais noveleiro do que eu e minha mãe juntas – e para o Rio ele me levou não uma mas duas ou três vezes, até na Sapucaí sambamos! E para nós era regra, passou da divisa de estado, entrando no RJ a gente mudava o nosso sotaque instantaneamente, virávamos carioca e queríamos falar como eles, puxando o S e o R. Sotaque era algo que a gente adorava imitar e entender a diversidade desse país tão rico em cultura que é o nosso Brasil. Obrigada pai pela aventuras exploradas e por tantas aulas de geografia e cultura que você me dava de graça.
Falando em cultura, o ensinamento e a educação era algo que sempre foi muito forte aqui em casa. Desde muito pequena sempre fui incentivada a gostar de ler, de fazer as coisas direito na escola e me esforçar para aprender. Ele sempre dizia ‘sem conhecimento a gente não é nada, a gente não vai longe’. E como ele sempre foi muito inteligente, assim como mamãe, me inspiro muito neles, mesmo que eu tenha ficado de várias recuperações – ele dizia que eu estava aproveitando o ensino até o último minuto, risos. Mesmo quando era difícil focar na escola pois o racismo que eu sofria era mais latente do que o que a professora falava. Mesmo quando eu via todas as crianças recebendo convites de festinhas de aniversário e eu não, ou quando riam de mim enquanto eu dançava nas aulinhas de sapateado. Era você pai, que estava sempre la me empurrando para continuar, para olhar o lado bom das coisas. Obrigada pai por não apontar quando uma criança era malvada comigo por conta da minha cor de pele e me deixar perceber sozinha o porque daquilo tudo. E quando percebi, obrigada por não me colocar mais medo e insegurança e me ensinar que todo mundo é igual.

Se hoje estou aqui escrevendo este texto neste blog, foi graças a ele que sempre me incentivou a escrever e continuar sempre escrevendo. Ele me dizia sempre que eu deveria escrever um livro da minha vida. Obrigada pai por se entusiasmar com minhas conquistas, por me deixar escolher meu caminho mesmo que ele fosse me fazer me formar em Jornalismo e não em Direito como você. Obrigada por me proporcionar a primeira oportunidade que mudou minha vida de poder ter uma experiencia internacional onde me fez crescer muito. E obrigada mais ainda por ter ido me visitar em Seattle e ter certeza de que eu estava bem acomodada e sendo bem tratada pela host Family!
Obrigada do fundo do coração por tantos sonhos realizados junto com você. Por exemplo quando fomos para a Disney juntos, que era uma viagem que sonhava há muitos anos em realizar com você e com a mommy.
Eu não quero terminar esse texto. Não tem como terminar na verdade. São 28 anos que vivi ao lado de um grande homem que sinto a falta diariamente, a cada minuto. A falta de acordar de manha e te ver deitado no sofá cochilando, a falta de sair de carro sem rumo só para tomar um café numa pracinha de uma cidade interiorana. A falta de deitar um em cima do outro no sofá e assistir a novela das seis. A saudade de te ouvir cantando suas músicas caipiras que só você gostava. De te trazer ‘chá com bulacha’ antes de dormir e ouvir você arrastando suas ‘chinelas’ pela casa. Ah pai, que falta você me faz.
Acredito que onde quer que você esteja, o senhor não está mais em sofrimento físico. O seu corpo já cansado pode finalmente estar descansando e se recuperando. Mas pensar isso não alivia minha dor de não te ter por perto. Não alivia a dor que é saber que você não estará no meu casamento! Ou que não vou poder te mostrar as coisas que ainda vou conquistar. Mas espero que você possa estar olhando por mim, se orgulhando de mim e cuidando de mim onde quer que eu vá, porque sua filha com certeza estará pensando em você e rezando para que o dia que nos encontremos de novo chegue logo.
Eu jamais vou me esquecer da nossa última grande conversa e como ela foi importante para mim, vou honrar o que você me pediu e me ensinou.
Obrigada por tudo pai, pelo amor, cuidado, carinho, ensinamentos e por ser a pessoa incrível que você sempre foi e sempre será.

Te amo, um abraço de sua filha mais nova que sente muito a sua falta.
Gessica.
Só depois de alguns meses consegui ler este texto. Me emocionei muitíssimo e sei do seu amor pelo seu pai e vice versa … emoção imensa , mas que traduz o que foi vivido é isso é que vale , viver , relacionar-se sempre presando pelo amor….filha ele o amor é infinito e nos sustenta além desta vida.
Tenha certeza que um dia estaremos todos juntos novamente….te amo!
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Lindo meu amor! É esse amor imenso q te movera daqui pra frente…que coisa linda o orgulho e a gratidão. Tenho certeza que ele irá acompanha-la de onde estiver.
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Lindo, Gé!!!! Ele estará sempre com vcs! Bjs no ❤️!
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Lindo texto querida Gessica, tenho certeza que Ele está orgulhoso da pessoa que Ele cuidou e vc se tornou!!
Ele sempre estará presente em nossos corações!!
Abraço pra vcs!!
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